O apostolado da coisa em si.

Matheus Bazzo
3 min readApr 22, 2024

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Esse texto faz parte de uma série de reflexões publicadas nos Estudos Estéticos, minha newsletter semanal. Algumas expressões podem fazer referência aos e-mails semanais ao longo do texto.

Em 1990, Steve Jobs deu uma entrevista para o documentário “An Immigrant’s Gift” que conta a história de Joseph Muran, o empreendedor romeno conhecido por inovar os setores de controle de qualidade em empresas e indústrias. Na entrevista, Jobs explica um conceito fundamental para os empreendedores. Diz ele que as empresas de tecnologia japonesas não mostram em suas comunicações e marketing elementos de destaque para a qualidade dos produtos. Essas empresas japonesas ignoram a qualidade dos seus produtos e não falam sobre isso. Já as empresas de tecnologia americanas gastam um caminhão de dinheiro em marketing para ressaltar a qualidade dos seus produtos. No entanto, quando o público é questionado sobre quais empresas têm melhores produtos de tecnologia, a resposta é sempre favorável às empresas japonesas.

A razão para esse paradoxo, segundo Jobs, é que as empresas japonesas preferem focar em realmente terem a melhor qualidade, ao invés de parecerem ter a melhor qualidade. Ao contrário das empresas americanas, elas preferem desenvolver produtos que sejam realmente testados e aprovados pelo público.

A partir dessa lição podemos compreender o segundo pilar para a construção de um negócio duradouro. É o que chamo de Apostolado da Coisa em Si. Isto é, o enfoque na realidade concreta do que estamos fazendo, ao invés da mera imagem fictícia do que estamos fazendo. Em suma, quando se é alguma coisa não é necessário parecer ser.

Disso deriva uma atitude em nossas decisões e em nossos empreendimentos. Vivemos em um mundo de aparências, um mundo de avatares. As redes sociais, as realidades virtuais, o bombardeio de propagandas, tudo isso nos induz a um hábito mental de desejo pela aparência. Mais do que nunca, há meios para se fingir ser algo que não se é. Tudo nos convida a parecer de maneira fictícia com a encarnação dos valores que queremos defender. Essa é a receita para o fracasso. Talvez não o fracasso financeiro — pois é possível fingir muitas coisas, por muito tempo para muita gente.

O segundo pilar que apresento aqui é um convite a desprezar esse hábito mental. É também um convite à atenção no que estamos fazendo concretamente. Não há puritanismo e nem idealismo aqui. Acredito que essa atitude honesta e firme com relação ao nosso trabalho é, também, a melhor forma de se fazer um negócio. Isso porque o produto verdadeiro não precisa ser vendido, basta ser comunicado.

Além disso, essa atitude sustenta nossa ação a longo prazo pois garante a integridade reputacional de nossos empreendimentos. A longo prazo, diante do nosso público, ficará claro quem estava procurando oferecer soluções reais e quem estava tentando vender espelhos para tirar uma vantagem temporária de um público desavisado.

Eu experimentei diversas vezes os benefícios do apostolado da coisa em si. Um caso emblemático que tivemos recentemente foi o lançamento da nossa Bíblia Sagrada. Foi um projeto que nos dedicamos por mais de três anos dando atenção a cada detalhe editorial e artístico para que ficasse a Bíblia mais impecável e digna que pudéssemos fazer. E, por isso, decidimos que no lançamento do produto nós faríamos algo muito simples: iríamos apenas apresentar o produto explicando suas características e mostrar o que outras pessoas achavam dele. Fizemos apenas isso: comunicamos nosso trabalho. O resultado foi excelente, esgotamos o estoque e fizemos o nosso lançamento mais bem sucedido de toda nossa história.

Tudo isso por uma razão muito simples: precisamos criar coisas que tenham valor em si mesmas. Precisamos criar coisas que independam do momento histórico e social que estamos vivendo. É muito comum vermos criadores de produtos, cursos e até mesmo os intelectuais — produtores de ideias e pensamentos — criando aparentes soluções para a mais nova tragédia da civilização.

Precisamos criar coisas que durem no teste do tempo. Coisas que sejam reais e verdadeiras. Soluções que tenham o desejo de ser definitivas. Talvez essa atitude seja um treinamento inicial para percebermos que nossas atitudes ecoam na eternidade. Precisamos criar coisas com valores em si para que nossa atenção finalmente compreenda que cada uma de nossas atitudes precisa ter um sentido maior e eterno.

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Matheus Bazzo

Empreendo, escrevo e registro em fotos | Co-founder: @lumine.tv /@minhabibliotecacatolica / @peregrinoapp